Sem precisão, sobre curtos tempos de crianças, vou relatando as imagens espectras. O primeiro pesar de morte, quando no quintal da minha casa, onde me lembro de grande parte das peraltices, jogava pedras sobre um pássaro branco, acho, já doente. Depois do feito, senti o forte sentido de arrependimento.
Ali, naquele quintal, eu, meu irmão do meio, e alguns amigos, se dependuravam sobre uma cerca de madeira para assistir a quase cinco metros de distância, a televisão do vizinho. Era prazeroso, no sol ou na chuva, ver vultos em movimento no vídeo hipnotizante. Nunca fomos convidados a entrar. Esta parte me chama atenção. Por que?
Ao lado da minha casa, havia uma serraria de móveis e uma lenda urbana: um fantasma que morava dentro daquele posto de trabalho. A descrição era de que o espírito desencarnado tinha um braço sem mão, serrada ali, durante em vida, num acidente de trabalho. Quando a gente entrava lá com os colegas, eram com olhos esbugalhados.
Passando o play, a maior alegria foi quando meu padrasto trouxe de surpresa a primeira televisão, em preto e branco, para a sala. Não tinha como descolar os olhos, assistindo desenhos animados e a novela Irmãos Coragem. Foi a libertação da cerca do vizinho enigmático.
A paixão me fez sofrer porque recusei o sexo
A vida continuava. A pré-juventude me conduzia a experiências sem definição pelo meu conhecimento. Ouvir música, andar a esmo, escrever poesia, solitariamente, eram, entre outras atitudes estranhas ao conceito da época. Orgulhava-me como era: Não queria ser diferente!
Do primeiro beijo furtivo na escola, um selinho nos dias de hoje, foi algo fascinante. Nunca tive beleza que pudesse fascinar. Eu sempre achei que o pouco atrativo das garotas por mim se devia ao meu tipo introspectivo. Somente uma paixão me arrebatou no ginásio. Exceto as platônicas.
Era virgem já depois dos 18 anos. Aquela fixação foi humilhante! As moças sempre foram mais maduras sobre intimidades do que os garotos. Eu não fugia à regra. Ela deseja de mim o que todo homem e mulher desejam: sexo. Eu me recusava abusar da “paixão da minha vida”, mas a recíproca não era verdadeira.
Foi uma fase difícil, coração sofrido. Ingênuo, pensava em enlace eterno, mas tudo se perdeu quando ela espalhou meus segredos existencialistas, em tom jocoso para colegas em comum. Chegara a dizer que eu precisava de psiquiátrica, por não avançar o sinal do meu corpo travado pela minha mente. Eu não entendia aquelas conceituações. Só queria a pureza como triunfo do amor sobre a sexualidade.
Ao fim dessa história, a paixão dissipara e se transformara em ódio. Minhas poesias eram amargas, autobiográficas sobre incompreensões da alma. Eu tinha muito amor dentro do meu mundo interior. Sobrevivi! Perdi a paixão e me curei, seguindo em frente e revendo conceitos, o que faço até hoje.
De volta ao tempo que está dentro da gente
Preciso voltar ao tempo depois de conversar ao telefone com um primo, na época, mais chegado do que um irmão. Na adolescência, tivemos experiências fantásticas a cerca de sentir emoções diferentes entre tantas iguais.
Compartilhávamos ideias, pensamentos sem ideologia, sentimentos que apenas arrebatavam nossas vidas, do simples ao complexo. Marcas na alma, feridas no corpo, elevação do espírito. Como animais siameses. Instintivos.
Ficou aprisoada a imagem da “sereia no lago”, uma criança tomando banho no riacho com traços marcantes além beleza. Olhos contemplando um anjo sem nome, sem endereço e que nunca mais a veríamos. Raro instante de fixação!
Entre a origem do mesmo riacho da sereia, havia um lugar sob abóbada de uma linda mata, pedras, areia branca e águas límpidas. Era um santuário para dois meninos que sentiam a presença do Criador pela mãe natureza. O templo foi batizado por nós como “Lugar Introspectivo”.
Entre tantas lembranças, uma outra multicolorida. Andando na estrada de chão, cercada de folhagens invasoras, como saindo do casulo, uma borboleta dançou entre nós, mostrando suas asas que, somada as duas, em desenhos circulares com cores distintas, um código de número 80. Hipnotizador.
Este tempo místico pode não voltar mais, também não é preciso. Está dentro da gente, para sempre!
As primeiras lembranças sem a mãe e sem o pai
Lembro-me, repuscando no fundo da memória, alguns lances não sincronizados, com meus avós, nos caminhos rurais. Subindo um morro, de carrinho de plástico, de onde se via o Cristo Redentor de Guaçui-ES. Não sabia para aonde estava indo, somente que tropeçava em direção a uma rotina importante para eles.
Saindo da primeira imagem, vejo-me no paiol cheio de millho e vagens de feijão, combinado com uma máquina manual de moagem de cana. Uma casa de madeira suspensa com pilares de pau. Um quintal com cercas de arame. E depois, o susto de uma tia ao se deparar com uma cobra. Meu avô a matou sem piedade.
Não sei a idade tinha, mas deveria ser entre 3 e 5 anos. Não me lembro de nenhuma outra ciscustância em que brinquei. A melhor lembrança depois disso foi eu sentado sobre a charrete do meu tio, a caminho da cidade para comprar mantimentos e leite para minha mamadeira.
Depois dessas memórias, nada passa mais no recôndito da mente. A imagem da minha mãe é nenhuma. Ela era jovem de 17 anos. Teve um aborto de uma irmã às 14 e me teve aos 15. Tornou-se mãe num momento sofrível, em romance rápido com um pai que nos abandonara. Nunca o vi.
Dai em diante, as lembranças florescem mais intensamente. Terei prazer de retratá-las como foram, sem remediar quaisquer uma delas.